terça-feira, 26 de agosto de 2008

ESPELHOS QUE REFLETEM O NADA


I
SÚPLICAS DE UMA TARDE MORIBUNDA


Mais um final de semana, mais um final de tarde, mais um final de dia... Finais, finais, sempre previsíveis (Acho que a inércia os mantém assim. Um bumbum inativo e um cérebro inventivo? Convenhamos não é uma competição justa. Hum...). E definitivamente meu traseiro estava em uma disparada vantagem nessa disputa, percebi que sua tática era manter os pés no chão, melhor, as nádegas no sofá. Enquanto isso a minha cabeça estava nas nuvens.

Interessante duelo, daria até um original estudo comportamental: “Disparidades e Paridades: bundões reais e sonhadores utópicos”; mas enquanto os estudiosos não descobrem essa intrincada relação vamos deixá-la aqui, flutuando nesse Universo Paralelo.
A tarde convalescente veio a óbito às 7:00 horas em 9 de julho de 2008 no fim de um afogadiço dia quente, em seu epitáfio os dizeres:
Se...( não consegui compreender essa parte, a lápide estava um tanto quanto borrada, homenagem do senhor bumbum) diferente... (com essas palavras o Senhor Razão encerrou.)
Se... Diferente...


II
A NOITE É UMA CRIANÇA E O CHARUTO É DESTABACADO

Após o lamentável funeral de uma estúpida tarde, o indefinível crepúsculo em chiaroscuro transpôs gradativamente as cores de manga madura, quase gemas de ovos caipira, dando lugar a uma tonalidade blue berry ou seria amora? Tanto faz, pois o bonito mesmo era aquela cortina degradê se desenrolando em noite.
O cheiro molhado do sereno fez com que eu me sentisse invadido por sentimentos de possibilidades, talvez fossem as brisas suaves, soprando aquele calor morno maçante... Que é verdade, de manhã prometia... Inícios, inícios lavados e repletos de vida e esperança (há algo mais revigorante e animador que um caderno branco, o primeiro dia de férias, a manhã de um domingo e filhotinhos, tudo novinho?)

E sim, eu tinha uma noite todinha pela frente. Claro! Não era um dia tedioso que havia de me esmorecer, e afinal de contas não havia sido tão mal assim. Fiquem sabendo que a minha sala de estar é uma companhia das mais agradáveis e, acreditem, juntamente com o meu televisor consigo divagar horas a finco sobre os mais variados assuntos. Tem também o sofá marrom aveludado, que é sobretudo confortável, e por que não dizer reconfortante! Ah aquele sofá!!! Grande companheiro que me embala nos sábados a noite.

Nesse momento saudei a noite gritando:
Ascendam os charutos, destabacados, por favor, (Salute). Nasceu!! E a noite é uma criança.

III
AQUARELAS QUE ME ABSORVEM, ONDAS QUE ME COSPEM


A janela do quarto emoldurava quadros e mais quadros, sempre combinando com o mundo em volta, a melhor decoradora que já conheci. E o sol!!! Esse se despedia com os últimos raios laranja. O pátio fronteiriço da casa recebia um banho de fios de ouro e o quarto era invadido por uma atmosfera de seiva cristalizada de alguma árvore jurássica, deixando tudo com um sentimento paradoxal de alegria e dor. Assim, como é a misteriosa sensação de saudade que nos reaviva momentos por meio de recordações, os quais conforme a falta que faz é proporcional a dor que se sente. Tardes são os momentos finais, o apagar do flash que aproveita os últimos raios vermelhos para revelar uma fotografia sépia, que ficará desamparada na câmara escura, lutando para ser relevante e sobreviver na memória.

Meu espírito, apesar de aberto e revigorado pelas brisas noturnas, não estava tão colorido quanto aquele quarto jujuba (da minha irmã), o que gerou um pequeno contraste. Eu estava lá, no instante que a noite nasceu, inerte olhando o monitor do computador e imaginando as tais ondas eletromagnéticas emitidas por aparelhos eletrônicos, então apoiei meus cotovelos sobre a mesinha branca com detalhes em rosa choque, que fica entre duas camas com lençóis tutti-frutti e paredes de um tom de vitamina de abacate rala, Sim!!! O quarto tem uma decoração clichê de propaganda de absolvente, no entanto já foi pano de fundo para incontáveis episódios de temáticas bem peculiares, esse quarto também tem o misterioso poder de me fazer salivar desejando batidas de morango, não explicarei esse fato, pois não encontrei ainda alguma razão no meu consciente para explicar tal comportamento, serão as cores?

Fiquei ali salivando, debruçado, fitando o monitor que estava em estado de espera (acabei descobrindo que é uma grande terapia, até mesmo hipnotizante, aquela logomarca do Windows se aventurando por toda a escuridão da tela, quanta coragem daquela marquinha deslizante, aquilo mais parecia uma tela de auto-ajuda). Retornei para uma postura ereta, sentado na cadeira estofada, fixei os olhos na tela do computador e me deixei invadir por essas tais ondas, precisava sentir alguma coisa ou acabaria enlouquecendo. Eh não foi dessa vez, ainda continuei só e não senti nada que não fosse alguma criação do meu cérebro, era a imaginação na tentativa de me confortar.

IV
DESCONHECIDO ÍNTIMO

A noite recebi visitas e tive que interromper minha tentativa de manter contato com as ondas eletromagnéticas, fui convidado para um programa, na verdade eu não estava com vontade de fazer nada, mas vi ali a chance de fazer alguma coisa diferente, de testar se realmente estamos fadados a liberdade.

Sobre liberdade eu posso dizer, ou ao menos imagino que muita coisa é uma questão de escolha, mesmo que sejam inconscientes, penso que cada passo não está marcado ou predefinido, não ensaiamos as pisadas, os sapateados o caminho ou as posições, nada acontecerá até nos lançarmos no palco, na arena, no estádio... Bom, eu não sei como você encara a vida... E sim, claro que podemos planejar, meditar, refletir, pensar ou seja lá quantos termos existem para definir precaução, cuidado, advertência, atenção e tantos outros nomes, que basta procurarmos um dicionário para vermos os sinônimos de cada uma delas, com suas particularidades, todas tentando expressar os sentimentos, todas tão insuficientes, tão pequenas, mudas.

Quanto aos ensaios, precisamos perceber que eles acontecem diante da platéia, com todos assistindo suas tentativas, seus esforços, medos, falhas, intimidades, acertos, vitórias, derrotas, conquistas, fracassos. Não tenha medo nem vergonha, pois se você olhar bem, verá que a platéia não é bem uma platéia, mas um monte de tablados, arenas, estádios... E estão todos tão preocupados consigo mesmos que duvido que sobrará tempo para assistirem ao seu espetáculo. E um conselho, quando você estiver bem cansado, descanse um pouco, assista ao seu púbico, observe-os, lá terá muito de você.

Hoje eu não estava a fim de sair de casa, mas decidi descer do meu palco solitário e invadir outros campos, respirar outros ares e viver outros contextos. Nessa aventura acabei percebendo que somos mais do que competições entre o triste e o feliz, entre o amor e o ódio, entre o dia e a noite, mais que uma guerra de oposições, mais que um maniqueísmo sem fim.

Hoje, ao menos hoje, eu me senti feliz por ser oco, por ser nada, por não ser sim nem não, por não ser fogo nem água, deus ou demônio, medo ou coragem. Hoje eu nem estou no meu palco, hoje eu simplesmente não sou e acabei me contradizendo, pois percebi que o tudo é um grande nada. Há sim opostos, mas não há uma competição, tudo é a mesma coisa refletida em um grande e velho espelho, e todos esses opostos são as inversões de um reflexo no espelho ou na lágrima, em uma poça de lama, nos olhos de alguém, tudo que nos desdobre e nos ligue de alguma maneira. E quanto mais o ser refletido se desconhece, maior é o choque, maior será a diferença, maior é a distância... O reflexo nos apresenta a nós mesmos e quando não nos reconhecemos, passamos a conhecer um
desconhecido mais íntimo que imaginamos.
Assim foi meu sábado: final de um dia quente, começo de uma noite fresca e a descoberta de um reflexo de olhos vazios...

Um comentário:

Simone - Pique-Pega disse...

Estou adorando isso, sou sua fã!!!